quarta-feira, 3 de março de 2010

Aos pinheiros das dunas



O que a vida fez de vocês,
velhos pinheiros da minha infância,
árvores de ânsia!

O que a crueza de mil invernos,
as tormentas todas esguedelhadas
de vendavais de inferno,
fizeram desses corpos de tortura e aflição,
que tanto ansiais para fugir desse chão!

Em pequeno metieis-me medo;
minha mãe ria e dizia- "Medroso!"
Que querem?
Vocês faziam-me nervoso.
E só muito mais tarde, meus amigos,
deixei de vos olhar como a perigos,
como a cobras de horror.
Só mais tarde entendi vosso segredo
e compreendi a trágica beleza de vossa dor!

Ó marinheiros pinheiros,
gageiros da tempestade.
Náufragos arrojados à duna!
Cristos pregados na areia que vos tem crucificados.

Fazieis-me dor e saudade
a saudade de mim, a mais cruel,
meus pinheiros de Moel!

A saudade do tempo em que vos eu temia,
porque inocente, ainda não sabia.
Ó trágico-marítimos que sofreis e suais
e morreis de guardar
a floresta que vive e reverdece
e cresce à sombra desse lento agonizar.

O que a vida fez de vocês,
velhos amigos da minha infância
que eu amo como avós.

Como tudo vai longe na distância,
amigos, o que a vida faz de nós!...


Afonso Lopes Vieira(1878-1946, poeta de Leiria)
Fotos de Augusto


Estes pinheiros existiam perto das praias de S.Pedro de Moel, Praia Velha...
São consideradas árvores notáveis pela sua excentricidade ao crescerem, moldadas pelo tempo agreste talvez. Ao que parece, muitas já nem sequer existem por serem levadas talvez para as lareiras em casa.
Triste...não conservarem esta beleza que já Afonso L. Vieira cantava.
Outra referência ao poema que acho pertinente é o facto de as nossas naus portuguesas terem sido construídas com as árvores deste maravilhoso pinhal.
Não sei se sabiam...